Esta nota informativa analisa seis estudos de caso do programa POTENCIAR, implementado no setor da saúde em Moçambique.
Destaca lições para os programas de governança e discute a forma como o POTENCIAR facilitou a partilha de conhecimentos, o planeamento participativo, a coordenação institucional e a responsabilização mútua, conduzindo a uma melhor prestação de serviços de saúde (para o relatório completo, ver Alexander et al. 2025). É urgente alargar os modelos de governança participativa, apoiar abordagens de implementação específicas ao contexto, integrar estruturas de colaboração nos sistemas nacionais e garantir modelos financeiros flexíveis nos programas adaptativos.
Mensagens-chave
- Institucionalizar a colaboração a vários níveis: estabelecer relações de trabalho coerentes apoiadas por plataformas interministeriais e grupos técnicos intersetoriais com mandatos e responsabilidades claros.
- Integrar a saúde nas políticas ambientais e nutricionais: utilizar a agenda ‘Uma Só Saúde’, apoiada por orçamentos partilhados ou objetivos comuns, para assegurar o alinhamento estrutural.
- Adotar mandatos partilhados: promover a responsabilização mútua com funções claras, responsabilidades conjuntas e mecanismos de acompanhamento dos progressos, assegurando uma colaboração intersetorial eficaz.
- Promover a participação inclusiva e reforçar as parcerias com o setor privado: envolver a sociedade civil no planeamento da saúde para criar confiança, reduzir as barreiras burocráticas e criar plataformas neutras de diálogo.
‘Ao promover uma cultura de inclusão, o governo pode garantir que as políticas e os programas de saúde sejam mais representativos e eficazes.’
O panorama da governança em Moçambique caracteriza-se pela tomada de decisões centralizada, fraca capacidade institucional e participação limitada dos cidadãos. Estes desafios dificultam a afetação eficaz de recursos e a prestação de serviços. O setor da saúde enfrenta constrangimentos financeiros e técnicos, com uma forte dependência do financiamento dos doadores e uma coordenação fragmentada entre as partes interessadas. A resolução destes problemas exige uma abordagem de colaboração que envolva todos os intervenientes relevantes e procure estabelecer novas regras do jogo para a governança dos sistemas de prestação de serviços.
O programa POTENCIAR, financiado pelo Foreign, Commonwealth & Development Office (FCDO) do Reino Unido, foi implementado na província de Nampula para fazer face aos constrangimentos de governança no setor da saúde em Moçambique. O programa centrou-se na melhoria dos mecanismos de responsabilização, no reforço da coordenação e na promoção de modelos de governança participativa. O POTENCIAR mediou relações, facilitou plataformas de partilha de conhecimentos, financiou processos de planeamento multissetorial mais inclusivos e institucionalizou mecanismos de feedback em apoio a uma colaboração mais estruturada e formalizada entre instituições governamentais, organizações da sociedade civil (OSCs) e outros intervenientes não estatais. Isto contribuiu para melhorar a tomada de decisões, a afetação de recursos e a eficiência dos serviços, apesar das barreiras sistémicas, como a governança centralizada e as restrições financeiras.
Os seis estudos de caso seguintes ilustram práticas de colaboração apoiadas, alargadas ou iniciadas pelo POTENCIAR e seus parceiros. Cada estudo de caso destaca um tipo específico de colaboração e demonstra como diversas partes interessadas – incluindo instituições governamentais, OSCs, atores do setor privado e parceiros de desenvolvimento – se envolveram em esforços conjuntos para melhorar a prestação de serviços. Os estudos de caso descrevem a situação antes da intervenção do POTENCIAR e mostram como o programa desbloqueou barreiras específicas à colaboração, facilitando o envolvimento, a criação de confiança e as reformas institucionais. Estes estudos de caso oferecem lições sobre como o investimento no apoio à colaboração estruturada contribuiu para melhorias sistémicas na governança e na prestação de serviços no setor da saúde em Moçambique.
Efeitos das práticas de colaboração do POTENCIAR
Partilha de conhecimentos: visitas de intercâmbio entre centros de saúde
Antes da intervenção do POTENCIAR, os diretores das unidades sanitárias dos distritos de Nampula e Monapo trabalhavam isoladamente, sem mecanismos estruturados de partilha de conhecimentos e sem formação formal sobre as principais práticas de cuidados de saúde. O POTENCIAR introduziu visitas de intercâmbio, permitindo aos diretores observar diferentes práticas, identificar desafios e desenvolver soluções de forma colaborativa. Esta iniciativa criou uma rede de aprendizagem entre pares, melhorando a responsabilidade social e a tomada de decisões. As discussões com o pessoal e os pacientes durante as visitas ajudaram a documentar os desafios e sucessos da prestação de serviços, enquanto os grupos do WhatsApp facilitaram a troca contínua de conhecimentos. Apesar dos desafios na implementação das lições partilhadas, a iniciativa melhorou a eficiência, os cuidados aos doentes e a colaboração entre as unidades de saúde. Ao promover redes profissionais, alavancar ferramentas de comunicação digital e incentivar a aprendizagem contínua, esta iniciativa proporcionou uma abordagem escalável para melhorar a colaboração no setor da saúde de Moçambique.
Planeamento participativo: reuniões de planeamento e acompanhamento
Antes da intervenção do POTENCIAR, o planeamento e a monitorização no setor da saúde em Moçambique eram centralizados, excluindo as OSCs e os atores locais das reuniões anuais. Este facto limitava a diversidade de contribuições e impedia a implementação eficaz das políticas. O POTENCIAR facilitou uma mudança no sentido de um planeamento inclusivo, mapeando os principais atores da saúde e integrando as OSCs e as organizações de base comunitária (OBCs) nas reuniões. Isto garantiu vozes diversas nos debates sobre o setor da saúde, apoiou workshops para a definição conjunta de objetivos e reforçou mecanismos de monitorização como os Comités de Co-Gestão e Humanização (CMHC). Apesar dos desafios de sustentabilidade financeira, esta abordagem melhorou a responsabilização e a prestação de serviços. A incorporação de abordagens participativas nas estruturas de planeamento da saúde permitiu o reconhecimento das OSCs e OBCs como partes interessadas legítimas na governança da saúde. O seu envolvimento contínuo aumentou a transparência e a responsabilização, reforçando uma cultura de responsabilidade coletiva. No entanto, a manutenção destes ganhos exigirá mais apoio institucional, nomeadamente para garantir recursos financeiros para uma participação contínua das OSCs.
Coordenação: trabalhar com os institutos de formação
Antes da intervenção do POTENCIAR, os institutos de formação em saúde na província de Nampula funcionavam de forma independente, com uma distribuição ineficiente de estagiários e currículos desalinhados. O POTENCIAR facilitou a coordenação entre o instituto público de formação em saúde, o Instituto de Ciências de Saúde (ICS), e as instituições privadas, apoiando o mapeamento dos centros de saúde, o desenvolvimento de um calendário de estágios rotativos e a colaboração através de reuniões regulares. Isto melhorou a distribuição equitativa dos estagiários e normalizou as práticas de formação. O mapeamento sistemático permitiu progressos, mas a fragmentação da governança colocou desafios. As melhorias na coordenação entre as instituições de formação têm potencial para perdurar para além do período de vida do POTENCIAR, desde que se mantenham em vigor os principais fatores facilitadores. A sustentabilidade dependerá da formalização de acordos institucionais entre o ICS, as instituições de formação privadas e os serviços distritais de saúde e ação social, integrando os mecanismos de coordenação nos procedimentos operacionais normalizados.
Elaboração de sentido coletivo: Conferência da Visão Holística
O POTENCIAR facilitou a Conferência de Visão Holística, reunindo partes interessadas da Direção Provincial de Saúde (DPS), OSCs, universidades e o setor privado. Antes disso, o setor da saúde de Moçambique funcionava em silos, com um diálogo intersetorial mínimo. A formação de uma comunidade científica, envolvendo a DPS, o POTENCIAR e a Unidade de Coordenação do Desenvolvimento de Nampula (UCODIN), colocou o foco em discussões inclusivas e baseadas em dados concretos. A conferência incorporou perspetivas de vários setores, incluindo educação, água e saneamento, e proteção social. Apesar dos desafios em torno de visões institucionais divergentes, a conferência promoveu o envolvimento intersetorial e a resolução de problemas. Lançou as bases para uma abordagem mais integrada da governança da saúde em Nampula, promovendo relações entre as instituições governamentais e os atores não-estatais. Contudo, a manutenção deste modelo exigirá a institucionalização de fóruns multissetoriais no âmbito dos processos provinciais de planeamento da saúde.
Implementação coletiva: o processo legislativo para combater a violência obstétrica
O POTENCIAR prestou apoio à campanha Humaniza Moz, uma iniciativa de sensibilização levada a cabo por um conjunto de organizações da sociedade civil com o objetivo de formalizar as proteções legais contra a violência obstétrica. Antes da campanha Humaniza Moz, havia relatos generalizados de maus-tratos durante o parto e não existiam mecanismos formais de responsabilização. O POTENCIAR apoiou a campanha encomendando um estudo para identificar as lacunas legislativas e organizando workshops com várias partes interessadas para elaborar um projeto de lei. Este processo inclusivo envolveu ativistas, profissionais de saúde, agentes da autoridade e o Ministério Público, assegurando que a legislação proposta refletia diversas perspetivas. O êxito da campanha foi impulsionado por uma ação de sensibilização eficaz, embora a fragmentação da sociedade civil tenha colocado desafios. Um próximo passo fundamental é a integração de mecanismos de aplicação no setor da saúde, incluindo formação para os proveedores de serviços de saúde e campanhas de sensibilização para os doentes. Além disso, o envolvimento a longo prazo com o Ministério da Saúde e os organismos jurídicos será essencial para tornar a lei efetivamente operacional.
Ação coletiva mutuamente responsável: o desenvolvimento da plataforma de Mecanismos de Reparação de Queixas (MRQ)
Antes do desenvolvimento de uma plataforma consolidada de MRQ, os mecanismos de reclamação do setor da saúde em Moçambique eram fragmentados e ineficazes, faltando aos cidadãos um sistema unificado para apresentar queixas. O POTENCIAR facilitou a criação de uma plataforma multissetorial de MRQ através do mapeamento dos mecanismos existentes, do patrocínio de discussões técnicas e do envolvimento das partes interessadas para melhorar a coordenação e a responsabilização. Este processo incluiu o codesenvolvimento da estrutura e do quadro operacional da plataforma. O mapeamento inicial dos mecanismos de reclamação permitiu o progresso, embora a desconfiança inicial entre a sociedade civil e o governo tenha colocado desafios. A eficácia a longo prazo da plataforma MRQ dependerá do facto de os intervenientes continuarem a liderar as atividades relacionadas com a plataforma de forma independente, em vez de dependerem da facilitação externa de programas como o POTENCIAR.
Catalisar uma governança mais responsável
O programa POTENCIAR demonstrou o potencial das práticas de colaboração para melhorar a governança e a responsabilização no setor da saúde de Moçambique, apesar do contexto económico difícil. O facto de o programa se centrar nos serviços de saúde materna na província de Nampula foi fundamental, alinhando com os interesses de diversas partes interessadas, incluindo funcionários do governo, OSCs e parceiros de desenvolvimento.
Os resultados ilustram que as iniciativas destinadas a melhorar a colaboração desempenham um papel crucial na promoção de estruturas de governança mais inclusivas, responsáveis e eficazes. As práticas de colaboração ajudam a quebrar os silos institucionais, permitindo aos atores reunir recursos, conhecimentos e redes. Quando as agências governamentais, as OSCs e os intervenientes do setor privado coordenam os seus esforços, podem evitar a duplicação de esforços, racionalizar a tomada de decisões e implementar soluções de forma mais eficaz. Além disso, as abordagens de colaboração tendem a criar capacidade institucional a longo prazo e espaços e processos de colaboração mais formalizados, aumentando a sustentabilidade das intervenções para além da duração do financiamento externo. Ao contrário dos projetos isolados e orientados para os doadores, que muitas vezes desaparecem quando o financiamento termina, a colaboração promove a copropriedade entre as partes interessadas, levando a um maior empenho na manutenção das iniciativas e reforçando a responsabilidade mútua, o que é particularmente valioso num contexto de recursos limitados.
A construção de confiança e de relações entre as partes interessadas surgiu como um fator crítico. A construção sustentada de relações através de reuniões regulares de planeamento conjunto e de resolução de problemas promoveu parcerias a longo prazo e melhorou a coordenação entre os vários intervenientes. No entanto, a desconfiança inicial entre a sociedade civil e o governo, juntamente com a competição institucional pelo controlo dos mecanismos de responsabilização, complicou a coordenação e reduziu a eficácia. A inclusão e a participação também foram destacadas pelos inquiridos como vitais para a legitimidade, capacidade de resposta e sustentabilidade das iniciativas de governança. A inclusão de diversas partes interessadas, incluindo grupos marginalizados, reforça a colaboração, embora a fragmentação no seio da sociedade civil e as dinâmicas de poder desiguais possam limitar a sua influência na tomada de decisões.
A institucionalização da colaboração através de estruturas formais, como Memorandos de Entendimento (MdE), quadros de planeamento conjunto e mecanismos de responsabilização, ajuda a garantir a sustentabilidade a longo prazo para além dos ciclos de financiamento dos doadores. Isto evita a fragmentação e a duplicação de esforços, criando uma abordagem estruturada da governança. No entanto, as restrições financeiras e a inércia institucional podem dificultar a adoção plena do planeamento participativo e dos mecanismos de colaboração. Além disso, o reconhecimento do valor de pequenas mudanças incrementais nas práticas de governança pode conduzir a um progresso significativo. O apoio a iniciativas que promovam a partilha de conhecimentos e as redes de aprendizagem entre pares pode conduzir a melhorias na prestação de serviços e na responsabilização, apesar da capacidade limitada de implementar lições partilhadas e de sistemas de monitorização fracos a nível dos centros de saúde.
Os resultados da investigação sugerem que é importante tirar lições dos êxitos e dos fracassos do POTENCIAR para contribuir para uma prestação de serviços mais resistente, inclusiva e responsável em contextos de recursos limitados. Ao institucionalizar plataformas de diálogo e incorporar mecanismos de responsabilização, o POTENCIAR ajudou a colmatar as lacunas entre as comunidades, a sociedade civil e as instituições governamentais, assegurando que as preocupações dos cidadãos são abordadas de forma mais eficaz.
Recomendações de políticas
Melhorar os resultados da saúde em Moçambique requer uma colaboração intersetorial que vá além da aspiração e seja institucionalizada em todos os níveis de governança. A saúde está intrinsecamente ligada à educação, proteção social, água e saneamento, ambiente e desenvolvimento económico. Para que a colaboração se torne uma forma habitual, deve ser operacionalizada através de mandatos claros, responsabilidades partilhadas, órgãos de planeamento conjuntos e mecanismos de responsabilização mútua que definam como os setores se coordenarão, quem é responsável e o que fazer se a cooperação falhar.
Esta institucionalização da colaboração deve abranger não só os ministérios nacionais, mas também as autoridades provinciais e distritais. As plataformas interministeriais devem ser apoiadas por grupos técnicos intersetoriais com funções, responsabilidades e linhas de reporte bem definidas.
O quadro de ‘Uma Só Saúde’ oferece um ponto de partida concreto ao integrar a saúde nas políticas ambientais e nutricionais, com orçamentos conjuntos e metas de desempenho incentivem à cooperação.
Capacitar as autoridades de saúde locais é essencial para garantir respostas adaptáveis ao contexto local. O reforço da sua autonomia financeira e operacional permite uma afetação mais eficaz dos recursos e a execução de iniciativas de colaboração na saúde. Esta descentralização torna o sistema de saúde mais reativo e sensível ao contexto.
É vital criar uma cultura de participação inclusiva. A institucionalização da participação da sociedade civil no planeamento da saúde e a redução das barreiras burocráticas – especialmente para as organizações locais – aumentam a confiança e a responsabilização.
Por fim, se deve criar plataformas de diálogo neutras e promover as parcerias com o setor privado. Em áreas como o desenvolvimento da mão de obra, as infraestruturas e as cadeias de abastecimento – podem fazer da colaboração um motor fiável para melhores resultados no domínio da saúde.
Ler mais
Alexander, K.; Alcorta, L.; Shankland, A.; Shutt, C. e Robertson do Santos, C. (2025, no prelo) ‘Succeeding in the Snakes and Ladders Game of Development in Mozambique: The Role of Collaborative Approaches’, Documento de Trabalho do IDS, Brighton: Institute of Development Studies
Darumurti, A. (2022) ‘Increasing the Role of Non-State Actors in Collaborative Governance’, Actas da Conferência Internacional sobre Inovação Sustentável em Humanidades, Educação e Ciências Sociais (ICOSI-HESS 2022): 743–53, DOI: 10.2991/978-2-494069-65-7_60 (acedido em 19 de abril de 2025)
Faustino, J. e Booth, D. (2014) Development Entrepreneurship: How Donors and Leaders Can Foster Institutional Change, Working Politically in Practice Series, Case Study 2, São Francisco CA e Londres: Asia Foundation e Overseas Development Institute
Schneider, H. et al. (2021) ‘Intersetoral Collaboration Before and During the COVID-19 Pandemic in the Western Cape: Implications for Future Whole-of-Society Approaches to Health and Wellbeing’, South African Health Review 2021.1: 1–8 (acedido em 19 de abril de 2025)
Créditos
Este Policy Briefing do IDS foi redigido por Ludovico Alcorta (IDS e POTENCIAR), Karin Alexander (FHI 360 UK e POTENCIAR), Cecília Robertson dos Santos (consultora para POTENCIAR), Cathy Shutt (profissional, POTENCIAR) e Alex Shankland (IDS e POTENCIAR).
Os autores estendem a sua gratidão a todos os participantes neste estudo e reconhecem o apoio da Unidade de Gestão do Programa POTENCIAR, bem como as contribuições do Chemonics Group UK e dos parceiros do consórcio (COWI/Austral, o Centro de Aprendizagem e Capacitação da Sociedade Civil (CESC), IDS e FHI 360 UK). Gostaríamos também de manifestar o nosso apreço ao pessoal do Alto Comissariado Britânico e ao Responsável Principal do FCDO para o POTENCIAR, Jonas Pohlmann, pelas suas valiosas reflexões e apoio ao longo de todo o processo.
© Institute of Development Studies 2025. Este é um artigo de acesso livre distribuído nos termos da Creative Commons Atribuição 4.0 Internacional (CC BY), que permite o uso, distribuição e reprodução irrestritos em qualquer meio, desde que os autores originais e a fonte sejam creditados e que sejam indicadas quaisquer modificações ou adaptações.